Produtores e indústria devem estabelecer contratos formais

Está já publicado o relatório final do grupo de peritos de alto nível no sector leiteiro, constituído pela Comissão Europeia em outubro, após a crise do ano passado. O documento é claro em relação ao que deve mudar nas relações entre produtores e indústria transformadora: É preciso aumentar o número de contratos formais escritos sobre as entregas de leite cru.

De acordo com o relatório, estes contratos devem ser celebrados antecipadamente e incluir preços, volumes, calendários e duração. Além disso, os estados-membros poderão tornar essa contratualização obrigatória. A realização de contratos formais escritos sobre a entrega de leite à indústria não é prática nos Açores, ao contrário do que acontece em território continental.

Este grupo de peritos foi estabelecido pela Comissão Europeia “com o objectivo de discutir medidas de médio e longo prazo para o sector, dado o termo das quotas leiteiras a um de abril de 2015”, esclarece comunicado da representação da Comissão em Portugal.

Segundo o relatório dos especialistas europeus para além de mais contratualização que deixe claras as condições de entrega de leite cru nas fábricas é necessário reforçar o papel negocial colectivo dos agricultores. O relatório recomenda à Comissão Europeia que avance com uma eventual proposta que preveja a possibilidade de as organizações de produtores leiteiros negociarem colectivamente os seus termos contratuais, nomeadamente preços, com a indústria.

Transparência
Este documento decisivo para regiões altamente dependentes da produção de leite como os Açores defende uma maior transparência no sector Em causa estará um aperfeiçoamento da “ferramenta” europeia para monitorização dos preços dos alimentos.

Outra necessidade identificada nesta capítulo é a possibilidade de o EUROSTAT e os institutos nacionais de estatística comunicarem mais informação, por exemplo sobre volumes de produtos lácteos. O relatório lança também alguma luz em relação ao possível papel das organizações interprofissionais no sector leiteiro.

De acordo com o documento, a Comissão deve analisar a possibilidade de algumas das disposições em vigor para as organizações interprofissionais no setor dos frutos e produtos hortícolas serem igualmente aplicáveis no setor leiteiro. O texto especifica que, se esse cenário avançar, “as restrições legais relativas a atividades anti-competitivas e o poder da Comissão para as controlar devem igualmente aplicar-se e o bom funcionamento do mercado interno deve ser salvaguardado”.

Estabilidade
Mas o relatório não defende apenas contratualização, negociação e transparência. O grupo de peritos constituído no rescaldo da crise de 2009 quer medidas de mercado que garantam uma maior estabilidade. Neste sentido, recomendam à Comissão Europeia que equacione instrumentos compatíveis com a “caixa verde” da Organização Mundial do Comércio para limitar a instabilidade dos rendimentos.

Neste capítulo está incluída a possibilidade de recurso aos mercados de futuros, nomeadamente através de programas de formação específicos. O mercado de futuros agrícolas funciona de forma a garantir aos intervenientes um preço mínimo de compra e venda dos bens em causa.

O grupo de peritos de alto nível adianta ainda ter registado as iniciativas que decorrem atualmente em termos de rotulagem e “convida” a Comissão a acompanhar de perto os desenvolvimentos, “de forma a garantir que os sucedâneos de produtos lácteos sejam distinguidos, evitando o uso de nomes e termos reservados para produtos lácteos”. O relatório recomenda que se ponderem também as diferentes opções para indicação do local da exploração agrícola na rotulagem dos produtos.

Na área da inovação e investigação o relatório defende uma melhor divulgação das possibilidades atuais no quadro do desenvolvimento rural e no âmbito dos programas quadro de investigação. “As partes interessadas devem definir prioridades de investigação claras para o setor leiteiro, de modo a melhorar a coordenação dos programas de investigação nacionais e da União Europeia”, especifica.

AAIT só aceita contratualização por períodos curtos
O presidente da Associação Agrícola da Ilha Terceira (AAIT), Paulo Simões Ferreira, vê como positiva a possível futura criação de contratos formais escritos entre produtores e indústria transformadora do leite, que fixem aspectos que vão desde o preço até ao volume e calendário, mas avisa que estes devem ser de curta duração para evitar efeitos negativos.

De acordo com o responsável pela AAIT a contratualização nos Açores é algo que nunca foi feito, ao contrário do que já sucede em Portugal continental. Embora afirme que “fazer contratos e colocar tudo preto no branco é sempre bom”, avisa que esta contratualização deve ser revista em períodos de seis em seis meses. “Se determinada exploração aumentar a sua produção, a fábrica pode recusar-se a receber mais leite do que aquele que foi contratualizado e, nesse aspeto, a contratualização torna-se má”, avança.

Paulo Simões Ferreira lembra que se está a atravessar uma altura em que as explorações na ilha, e não só, apostam no redimensionamento e modernização. O líder da lavoura terceirense falava em reacção à publicação do relatório do grupo de especialistas de alto nível constituído para o setor do leite pela Comissão Europeia. Este relatório recomenda contratualização formal entre agricultores e indústria e um aumento do poder negocial das associações de produtores, entre outros aspectos.

A fixação de preços por períodos muito longos também não seria benéfica. “Esta não pode ser feita por um período muito longo de tempo. Se num prazo de alguns meses existir uma grande subida de preços os produtores sairiam prejudicados mas também se fosse verificada uma descida muito grande esta poderia colocar em risco a sobrevivência das próprias indústrias”, explica.

O presidente da AAIT vê também com muitos bons olhos a recomendação à Comissão Europeia, no relatório do grupo de especialistas europeu, para que se pondere a possibilidade de conferir mais poder negocial às organizações que representam os produtores, no sentido destas negociarem coletivamente os seus termos contratuais, incluindo preços, com a indústria.

Para Paulo Simões Ferreira, esta medida representaria uma verdadeira viragem em relação ao que se verifica atualmente na ilha: “A indústria toma as suas decisões unilateralmente, sem qualquer negociação”, lembra. Reforçando que as associações agrícolas “devem ser ouvidas”, Paulo Simões Ferreira admite também que o argumento da indústria transformadora será sempre o mesmo: “Dizem: ‘Isto é o que podemos pagar’… Mas é claro que as associações devem poder negociar e defender os interesses dos produtores, até porque, a haver, contratualização, a indústria não vai negociar individualmente com centenas de agricultores”, conclui.

Fonte: Anil

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