OGM que futuro?

São incertos os efeitos dos OGM no metabolismo e os efeitos socioeconó-micos no campo, ambiente agro-flo-restal e ecossistemas á mais de 15 anos que acompanho o dossier Organismos Geneticamente Modificados (OGM). Foi uma colega alemã, a Hiltrud Breyer, que, no Parlamento Europeu, me despertou para a sua complexidade. Mais tarde, enquanto conselheira para o Ambiente da Representação Portuguesa em Bruxelas, pude trabalhar na revisão da “célebre” Directiva 90/220/CEE (revogada pela 2001/18/CE), relativa à disseminação voluntária de organismos geneticamente modificados no ambiente. Pude, então, aprofundar conhecimentos de carácter técnico-científicos e confrontar-me com teses antagónicas sobre as potencialidades e/ou utilidade da manipulação genética utilizada na produção alimentar. Já na Assembleia da República, em nome do grupo socialista, propus a realização de uma audição pública sobre a matéria, que ouviu um leque muito alargado de especialistas, cujas conclusões não pudemos, entretanto, apurar devido à dissolução do Parlamento. Os registos dessa audição existem e mereceriam, a meu ver, que se publicassem, a fim de não se perderem contributos de grande valia técnica, científica, económica e ambiental. De facto, constatámos, nessa altura, que a comunidade científica está dividida quanto à inocuidade do cultivo e consumo de organismos geneticamente modificados. Ou seja, continua a prevalecer um certo grau de incerteza sobre os seus efeitos no equilíbrio metabólico dos seres vivos. Por outro lado, restam por analisar as suas implicações económicas e sociais no mundo rural, no equilíbrio ambiental dos territórios agro-florestais ou na preservação dos ecossistemas. Convirá recordar, a propósito, que foi um ministro da Agricultura do PS, Capoulas Santos, que suspendeu o cultivo de milho transgénico no nosso país. Com essa decisão, Portugal associou-se aos demais países da União Europeia que aplicaram uma moratória às autorizações para a comercialização de novos produtos geneticamente modificados. Aliás, foi o actual primeiro-ministro, eng. José Sócrates, na época ministro do Am- biente, que conseguiu a aprovação do Protocolo Mundial sobre Biossegurança durante a presidência portuguesa da União Europeia. Protocolo que estabelece novas regras para o comércio mundial de trans- génicos, nomeadamente de índole ambiental. A posição do Partido Socialista tem sido clara e coerente! Acredito, sinceramente, que o actual Governo, sabendo que as biotecnologias agrícolas continuam a suscitar enormes reticências por parte da opinião pública, agirá em conformidade com os princípios de uma “acção cautelar”, estabelecendo um pacto de confiança entre os consumidores, os produtores e as indústrias agro-alimentares.

A utilização de organismos geneticamente modificados está, hoje, naturalmente enquadrada por normas nacionais e comunitárias, nomeadamente em matéria de rastreabilidade e rotulagem. Todavia, essa legislação não exclui a possibilidade da invocação de uma “cláusula de salvaguarda”, que permite a interdição do cultivo de OGM por razões de segurança ambiental. Bastará recordar os dados estatísticos mais recentes sobre o que pensam os europeus da utilização de transgénicos, para melhor se compreender a atitude de certos Estados membros, que não aceitam o cultivo no seu território nacional. Com efeito, cerca de 95% dos europeus não os querem consumir; 86% pretendem mais informação e 71% rejeitam a sua utilização na alimentação ou propagação no ambiente. Isto é tanto ou mais relevante quanto sabemos que a própria Comissão Europeia não tem uma posição política unívoca sobre o assunto. Na sequência de uma primeira abordagem sobre organismos geneticamente modificados, efectuada no passado mês de Março pela nova Comissão, o comissário do Ambiente assumiu uma posição contra a proliferação de OGM, enquanto a comissária da Agricultura se mostrou favorável à sua utilização.

É interessante verificar ainda a iniciativa inédita, de mais de 20 regiões da União, entre as quais o País de Gales, a Toscana, as Astúrias, o País Basco, a Áustria Superior e Salzburgo que já se declararam Regiões Livres de Transgénicos. Em Portugal, este tipo de medida, muito positiva, está a ser promovida pela Plataforma contra os Transgénicos que visa, prioritariamente, a criação de uma rede de concelhos declarados “zonas de não cultivo” de plantas geneticamente modificadas.

A biotecnologia é, sem dúvida, uma das “tecnologias-chave” do nosso século, mas perante as incertezas dos seus impactes e face aos interesses económicos que lhe estão associados, exige-se um debate aprofundado, tecnicamente sustentado e de âmbito nacional. Esta é sem dúvida uma questão de sociedade, que deve suscitar o nosso interesse colectivo e ponderada reflexão! Não podemos, pois, ficar ausentes deste momentoso debate internacional!

Fonte: DN

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