Mutação genética permitiu aos adultos beberem leite

O Presidente da República pode ficar hoje a saber por que razão consegue beber leite, quando o mais expectável na espécie humana seria que, depois dos cinco anos de idade, fosse incapaz de digerir este alimento. Durante a visita que realiza ao Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto (Ipatimup), Jorge Sampaio vai conhecer um dos projectos de investigação da instituição no âmbito da genética a tolerância à lactose. O presidente da República pode ainda ficar a saber que, nesta capacidade de beber leite, está acompanhado por 60% dos portugueses – isto enquanto inaugura a nova ala de um instituto que quer destacar como exemplo da investigação que se faz em Portugal.

A investigação do Ipatimup conseguiu estabelecer que a mutação genética, responsável pela tolerância à lactose, é a mesma na Finlândia, Portugal, Itália ou em certas tribos da África Ocidental – para além de, pela primeira vez, rastrear a população através de um exame molecular. Esta mutação é, dada a história da espécie humana, muito recente. “Terá apenas cerca de 12 mil anos”, afirma o investigador Jorge Rocha.

Então como se explica que esta mutação, sendo nova na evolução, tenha atingido uma grande expressão geográfica e uma frequência tão significativa? Apenas através da selecção natural. Ou seja, explica Jorge Rocha, “as vantagens nutricionais do consumo de leite constituíram uma vantagem selectiva para as populações onde se verificou esta mutação que teve influência na capacidade de reprodução”. Assim, nas sociedades em que a dependência alimentar do leite era muito grande, progrediu a mutação genética que permite ao adulto digerir o alimento.

História. Nos ancestrais da espécie humana e ainda em parte significativa da população mundial, a actividade do gene que permite a ingestão de leite “desliga-se” aos cinco anos. A partir de aí, o intestino torna-se incapaz de digerir a lactose (nome dado ao açúcar do leite). O mais normal seria pois que todos os adultos fossem incapazes de beber leite, sob pena de sentirem grande desconforto intestinal. Mas, em alguns adultos, a actividade do gene da lactase (enzima que permite a absorção da lactose) persiste.

Recentemente, investigadores finlandeses identificaram uma mutação genética que se pensa ser a responsável por esta tolerância à lactose. Foi a partir daqui que os investigadores portugueses, em colaboração com o Hospital de Santa Maria, de Lisboa, validaram o teste molecular com métodos anteriores de despistagem desta incapacidade alimentar. Um teste que, a generalizar-se, será mais confortável para o paciente, já que os actuais exames são mais invasivos e demorados . Por outro lado, e porque identifica uma mutação genética, permite o diagnóstico da situação antes de ela se manifestar clinicamente, ou seja, ainda em crianças pequenas.

Geografia. Utilizando o novo método, a investigação do Ipatimup – financiada pela Sociedade Portuguesa de Gastroenterologia – conseguiu determinar que 40% da população portuguesa é intolerante à lactose. Um número também encontrado no norte de Espanha e sul de França. Aliás, explica o investigador, existe um gradiente Norte/Sul muito acentuado no Europa. Os países escandinavos, por exemplo, são muito tolerantes ao leite. O sul encontra menores frequências. Na África, existem algumas tribos com esta mutação genética, mas, em países como Moçambique e S. Tomé, os investigadores encontraram altos valores de intolerância.

A explicação parece estar na tradição das sociedades relativamente à actividade económica no período do neolítico. É nas populações que se dedicavam à pastorícia – tendo provavelmente por esta razão desenvolvido uma grande dependência alimentar do leite – que se encontra maior frequência da mutação. É o caso da tribo Fulbei, a Norte dos Camarões (África), estudada pelos investigadores, que não encontra paralelo, por exemplo, nos vizinhos agricultores.

Ipatimup. Este é um dos projectos da instituição, dirigida por Sobrinho Simões (já galardoado com o Prémio Pessoa) que Jorge Sampaio, acompanhado do ministro da Ciência, visita hoje, no âmbito da inauguração da nova ala e laboratórios. O novo espaço duplica a área de instalação do Ipatimup e representa um investimento de 2,5 milhões de euros. Instituição prestigiada a nível internacional no que diz respeito à investigação no campo oncológico, o Ipatimup foi ainda a primeira entidade nacional a beneficiar de mecenato científico, atribuído por 17 empresas.

Fonte: DN

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