Guerra dos preços

Novo ano, novo IVA. O aumento do imposto sobre o consumo, de 21% para 23%, não veio só encarecer a quota do supermercado. Houve quem o soubesse aproveitar para estratégias de marketing. Uma promoção eficiente? Os especialistas dizem de sua justiça

Imposto é uma improvável palavra para se tornar moda no meio publicitário. Mas neste início de 2011, ano em que não é preciso ser vidente para prever uma quebra no consumo das famílias, nenhuma arma é posta de parte. A campanha do Pingo Doce está por todo o lado, a dizer que, ali «o aumento do IVA é zero». A Lidl anuncia descontos de 23%, além de garantir a manutenção dos preços, e o Continente faz promoções. A L’Oréal adoptou um novo slogan: «Beleza não paga imposto.» Já os cremes….

O certo é que em ano pesado, o Imposto Sobre o Valor Acrescentado entrou nas estratégias de marketing das empresas. Com benefícios para o consumidor final? Depende. «Não há uma única insígnia que seja sistematicamente mais barata em todos os produtos», explica António Souto, especialista da Deco, um dos responsáveis pelos estudos de comparação de preços entre supermercados e hipermercados. Quer isto dizer que se quiser poupar no fiambre ou no atum pode ir ao continente; no detergente para a roupa, terá de comprar no Pingo Doce ou no Lidl; no leite achocolatado ou na maçã, convêm-lhe escolher o Jumbo. Isto se a «ronda» compensar, em termos de tempo e transporte.

Da comparação de preços, elaborada pela VISÃO, entre o Continente, o Lidl, o Pingo Doçe, o Minipreço (que, até à data, ainda não fez repercutir o novo IVA nos preços de venda ao público) e o Jumbo (que prefere não revelar a sua decisão quanto ao IVA), na zona de Lisboa, não se retiram conclusões óbvias. E o mesmo se pode dizer da comparação entre os que aumentaram os preços (caso do Continente) e os que optaram por não subir (como o Pingo Doce e o Lidl). Se em muitos produtos, como os alimentares, a taxa reduzida de 6% se mantém, aqueles em que o IVA passou de 21% para 23%, a regra não é única. Por exemplo, o Pingo Doce ganha ao Continente no detergente da roupa, mas é mais caro do que o Jumbo no papel higiénico (ver Lista de compras).

«Mesmo dentro de cada insígnia existem variações de preços de região para região. Uma Coca-Cola pode ser mais barata no Porto do que em Lisboa, no mesmo supermercado. Há razões de concorrência, que variam conforme as áreas. Mas todos querem o título de mais baratos», observa António Souto.

‘Capital de simpatia’
Ainda assim, afirmar que não aumentam o IVA confere grandes vantagens às marcas, na opinião de Miguel Velhinho, presidente da empresa de marketing e comunicação Projecto Manhattan. «Existem benefícios imediatos que se traduzem, certamente, na manutenção, ou mesmo crescimento do seu volume de vendas, numa época de austeridade.

E a imagem destas marcas sairá fortalecida, porque geram simpatia entre os consumidores, manifestando-se socialmente preocupadas com os seus clientes ao ponto de ‘sacrificarem’ em prol destes a sua margem comercial», diz. E acrescenta: «Na óptica dos consumidores, estas marcas fazem aquilo que eles gostariam que o Governo tivesse feito – que não aumentasse o seu custo de vida. Vão conquistar, com certeza, um capital de simpatia que lhes será muito precioso num futuro próximo.»

A análise toca no ponto central do discurso das marcas para o exterior. O Lidl, por exemplo, justifica assim o facto de não aumentar os preços, na sequência da subida do IVA: «Perante a situação difícil que o país atravessa, estamos a fazer tudo o que está ao nosso alcance para ajudar os portugueses, tentando, assim, minimizar as dificuldades adicionais que se fazem sentir com o aumento do IVA.» A cadeia alemã de supermercados diz ainda que a sua decisão não se baseou em nenhuma previsão de perda de clientes ou de facturação, caso aumentassem os preços, e que não prevê uma redução de resultados. Também a Jerónimo Martins, grupo do Pingo Doce, fala de «uma decisão da gestão que reflecte o esforço no sentido de ajudar os portugueses, numa altura crítica da vida do País e das famílias», segundo fonte oficial.

Para Miguel Velhinho, embora a palavra «impostos» tenha uma conotação negativa, «é completamente relevante o aproveitamento do tema da subida do IVA para [as marcas] construírem as suas propostas comerciais». Por mais sentimentos negativos que as palavras «IVA» ou «impostos» possam gerar, afirma, «os consumidores têm a preceção de que, definitivamente, as marcas não são responsáveis pelo aumento», sublinha.

Por isso, o facto de serem as marcas a suportar a subida do imposto sobre o consumo «evita que as famílias reduzam a sua despesa média nas lojas» e pode impedir que «procurem outras alternativas mais baratas», além de se revelar um potencial «gancho relevante para atrair novos consumidores preocupados com a perda do seu poder de compra». «No fundo», conclui Miguel Velhinho, «trata-se de uma estratégia de preço travestida, de uma forma inteligente.»

´Alguém tem que pagar’
Mas será que são mesmo as distribuidoras a suportar o custo do aumento do IVA? João Paulo Girbal, presidente da Centromarca, associação das empresas de produtos de marca, duvida: «ao consumidor interessa pagar o menos possível. Mas o consumidor informado tem de perguntar: quem vai pagar isto? Normalmente, quem paga é o fornecedor.» E tem havido queixas.

Em Julho, quando todas as taxas deste imposto subiram um ponto percentual, Pedro Pimentel, presidente da Associação nacional dos Industriais de Lacticínios, denunciou a pressão exercida sobre os fornecedores, por parte do retalho, para que fossem estes a suportar os aumentos. «Felizmente, agora, no que nos diz respeito, essa situação não se verifica [uma vez que a taxa reduzida aplicável aos lacticínios se mantém nos 6 por cento]. Mas quando se olha para a euforia da distribuição, é fácil perceber quem paga», afirma.

É um assunto polémico, tanto que a Autoridade da Concorrência se pronunciou sobre ele, tendo concluído não haver «indícios suficientes de que os grandes grupos de retalho tenham repercutido sobre os seus fornecedores o aumento do ponto percentual das taxas de IVA». O Lidl garante que «as datas de negociação [com os fornecedores] dependem, única e exclusivamente, do tipo de matéria-prima em causa».

Ainda assim, João Paulo Girbal fala de «negociações impostas unilateralmente, uma vez que uma das partes não tem poder negocial». E traça um cenário que passa pela morte lenta dos produtores nacionais. «Aumenta-se uma fileira de 220 novos desempregados por dia. Este ano, o consumo vai reduzir-se e os produtores vão pagar mais pela energia, pelos transportes e pelas matérias-primas…», prevê o presidente da Centromarca, apresentando números: «Na lista dos dez maiores importadores de 2009, encontramos, em 5º lugar, a Gerónimo Martins, e, em 6º, o Lidl. Além disso, na maior parte dos casos, os produtos de marca branca são estrangeiros.»

A Jerónimo Martins, por outro lado, apresenta a sua versão: «Damos sempre preferência à compra de produtos nacionais, sobretudo os perecíveis, recorrendo à importação nas situações em que não existe produção nacional, em que esta é insuficiente para abastecer a nossa cadeia e/ou em que nos encontramos em períodos de contraciclo de produção.» Na dúvida, Girbal exorta os consumidores a olharem para o código de barras – se os primeiros três números forem 560, isso significa que o produto é registado em Portugal.

Fonte: Anil

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