Alimentos funcionais apontam o futuro da indústria alimentar

O mercado dos produtos que fazem mais do que alimentar tem vindo a crescer e pode chegar a 250 mil milhões de dólares. As estratégias de marketing têm sabido dar à volta às críticas aos alimentos funcionais

Peter Brabeck, o patrão da Nestlé, está convencido de que o futuro da indústria alimentar está nos alimentos funcionais, segundo ele aqueles que vão possibilitar ao sector “um crescimento na ordem dos 40 por cento”. A convicção de Peter Brabeck é corroborada pela análise do comportamento dos consumidores em relação a estes produtos, sobretudo no último par de anos, e o valor que ele indica como potencial de crescimento não é de todo um exagero.
Não são só os grandes veteranos do mercado alimentar (sendo a Nestlé a maior das maiores empresas mundiais de bens de consumo, com uma facturação anual na ordem dos 65.400 milhões de dólares) a interessarem-se pelos alimentos funcionais. Há menos de duas semanas foi anunciada a constituição de uma nova empresa, a Brand New Brands Inc., cujo negócio se centrará justamente no desenvolvimento de produtos alimentares que incorporem ingredientes promotores da saúde – empresa esta que conseguiu reunir 15 milhões de dólares de capital avançado por investidores como a Unilever Ventures, a Prolog Ventures, a Great Spirit Ventures e a Burril&Company.
No ano passado, o subsegmento dos alimentos funcionais, ou “nutracêuticos”, rondou os 47,6 mil milhões de dólares (pouco mais de 36 mil milhões de euros) no mercado global, mais do que duplicando os valores que registava à entrada do século XXI. Mais: é consensualmente aceite que tem o potencial para se expandir, na próxima década e meia, até à fasquia dos 250 mil milhões de dólares (cerca de 189,4 mil milhões de euros) – metade do actual volume estimado da indústria alimentar.
A apetência dos consumidores pelos alimentos funcionais – produtos alimentares que proporcionam benefícios específicos de saúde e bem-estar, para além da tarefa elementar de nutrição – está patente desde há quase uma década quando, na Conferência Mundial de Nutrição de 1996, foram apresentadas pesquisas dando conta de uma aceitação já a rondar os 55 por cento. Por essa mesma altura, o International Food Information Council referia também que “os consumidores vêem os alimentos funcionais como a evolução natural dos alimentos que sempre comeram”.
Mas foi só pelos finais dos anos 90 que a entrada dos alimentos funcionais no mercado ganhou verdadeiro fôlego, ao que não é estranha a queda em desgraça da “junk food”. Actualmente, os consumidores podem encontrar de tudo, desde hambúrgueres com mais 50 por cento de ácidos gordos ómega 3 a sumos de laranja e pastilhas elásticas enriquecidos com cálcio, passando por bolachas com antioxidantes, bolos enriquecidos com fibras, margarinas que afiançam baixar os níveis do colesterol danoso, cereais que alegam reduzir os riscos das doenças cardiovasculares, produtos lácteos que garantem fortalecer o sistema imunitário e ainda outros alimentos que prometem aumentar a capacidade de memória e aumentar os níveis de energia.

Sucesso apesar das críticas

Na base do desenvolvimento destes alimentos funcionais está o conceito de “alimentos medicinais” que, aliás, não é novo. É uma filosofia que vem desde Hipócrates e amplamente adoptada em diversos países asiáticos, como o Japão e a China, onde a medicina tradicional usa alimentos como remédios pelo menos desde mil anos AC. E até no mundo ocidental há alguns casos esporádicos: a Coca-Cola, recorde-se, foi lançada há dois séculos como um xarope para as dores de cabeça e tónico energético de produção farmacêutica artesanal.
A novidade em termos de entrada no mercado destes produtos tem assim a ver sobretudo com a sua validação por parte do conhecimento científico e com a sua maior massificação – leia-se a entrada nos hábitos alimentares da Europa e Estados Unidos, onde poderosas forças de marketing criam um cada vez maior interesse dos consumidores por estes produtos.
O sucesso dos alimentos funcionais não tem enfrentado obstáculos de maior, apesar das críticas avançarem que “o consumo mal gerido de alimentos funcionais em vez de trazer benefícios pode é acarretar sérios riscos para a saúde” (aviso constante em vários boletins do Center for Science in the Public Interest). Um exemplo: a combinação de 28 gramas dos cereais Total (marca norte-americana de cereais enriquecidos com ferro) e de um burrito Dilberito (que contém a totalidade de vitaminas e sais minerais que cada pessoa necessita por dia) dá 200 por cento da dose diária de ferro recomendada pelos nutricionistas – o dobro do necessário, excluindo todas as outras fontes de ferro.
Mas, mesmo com tais alertas, os consumidores mostram-se cada vez mais interessados nos impactos positivos que os “nutracêuticos” prometem trazer, desde efeitos no processo de envelhecimento à prevenção de doenças específicas, melhoria das performances desportivas, gestão nutricional de grupos particulares como crianças, mulheres e idosos, até à supressão do apetite. E estão dispostos a pagar preços duas a quatro vezes mais caros do que os dos similares “não enriquecidos” por alimentos que os mantenham saudáveis mas não saibam a remédio.

Fonte: Público

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