Subida dos bens alimentares gera preocupação

Só o aumento dos cereais e das oleaginosas pode criar uma subida entre 7,4 e 12% nos gastos dos portugueses em bens alimentares. Mais um cêntimo em cada pão, cinco cêntimos no café, aumentos inevitáveis no leite e em muitos outros produtos alimentares. Estas são as notícias que estão a chegar às famílias, numa conjuntura já extremamente negativa: taxa de desemprego elevada, corte de salários, aumento de impostos e recessão económica.

Revivendo um pesadelo já sentido em 2008, a que se seguiu uma fase de correcção, os preços de algumas matérias-primas votaram a atingir níveis recordes. No último ano, e citando apenas alguns exemplos, o peço do trigo subiu 62% e o do milho 58,7%; a soja aumentou 42,4% e o petróleo no mercado spot 20,2% (ver infografia). Apenas o arroz contrariou a tendência geral de subida.

Pior do que os aumentos já acumulados, que começam a reflectir-se nos preços dos bens alimentares e outros produtos finais, a trajectória de subida das matérias-primas não dá sinais de abrandar, o que significa que as más notícias para as famílias podem agravar-se ao longo do ano, numa altura em que uma percentagem significativa delas já não tem margem para acomodar mais despesas.

De acordo com dados da Kantar Worldpanel, especializada em estudos de mercado, 73% das famílias portuguesas já sente o impacto da crise (desemprego, aumento de impostos e de preços e corte de salários). O estudo, feito a partir do acompanhamento de três mil agregados familiares, revela que apenas 27% dizem não sentir esse impacto. Mais preocupante é que, do universo total das famílias, 19,2% afirmam sentir muitas dificuldades económicas e admitem não ter margem para suportar novas despesas.

Álvaro Santos Pereira, economista, sublinha que o aumento dos bens alimentares afecta de forma desproporcionada os mais pobres, que tendem a gastar mais em alimentação.

Em reacção à crise económica dos últimos dois anos, uma parte significativa das famílias tem feito um esforço para conter os gastos do supermercado, optando pela escolha de produtos mais baratos, pelas chamadas “marcas brancas” e pela substituição de produtos (peixe congelado em vez de peixe fresco; pão em vez de cereais), ou ainda por comprar em promoções.

Mesmo assim, o gasto médio dos lares portugueses em produtos de grande consumo, onde se incluem os produtos alimentares, registou uma subida de 1,57% no segundo semestre do ano passado, face ao período homólogo de 2009. Para essa subida contribuiu o agravamento da inflação e o aumento do IVA para 20% em alguns produtos, bem como a subida de alguns bens alimentares e matérias-primas.

Perspectivas pessimistas
O aumento dos bens alimentares decorre da forte subida que se está a verificar nos preços de algumas matérias-primas (em especial os cereais e oleaginosas) e indirectamente através da subida do preço do petróleo, que afecta custos de produção, como os combustíveis, adubos e pesticidas.

Com a ajuda de Armando Sevinate Pinto, antigo ministro da Agricultura, o PÚBLICO fez um cálculo de qual pode ser o impacto de uma subida de 30 ou 50% no preço dos cereais e das oleaginosas, que representam perto de 40% das nossas importações totais de bens alimentares.

Partindo do valor de importações alimentares em 2010, cerca de 6,2 mil milhões de euros, e tendo em conta que os cereais e as oleaginosas (especialmente soja) representam perto de 40% desse valor, um aumento de 30% dos preços destes dois tipos de produtos representa uma subida de custo de importação de 744 milhões de euros.

Se o aumento atingir os 50% – o que pode não ser exagerado, dada a subida de preços de alguns produtos de 70%, 80% e em alguns casos acima de 100% verificada no último ano -, as importações agravam-se em 1240 milhões de euros.

Tendo em conta que o valor médio do consumo dos portugueses em bens alimentares, que ascenderá a 10 mil milhões de euros, os dois cenários de subida de preços, só para os cereais e as oleaginosas, implicam um aumento entre 7,4% e 12,4% desse valor. Este cenário, embora parcial, pois assenta apenas na estimativa de subida dos preços dos cereais de oleaginosas, é apesar de tudo mais favorável do que a previsão da FAO, que estima uma subida dos bens alimentares em 15% para 2011.

Sevinate Pinto destaca que a favor de Portugal está a dependência externa ser apenas de 30%. O país tem um valor médio de consumo de 10 mil milhões de euros, produz sete mil milhões, importa 6,2 mil milhões, mas exporta três mil milhões.

Contudo, o país acaba por ser duplamente prejudicado pela subida de preços nos mercados internacionais, pois importa grandes quantidades de cereais e oleaginosas, que registam fortes subidas, ao passo que exporta essencialmente produtos que não beneficiam dessas subidas. Por outro lado, fica ainda prejudicado pela subida dos preços do petróleo.

Santos Pereira destaca que nem todos os impactos serão negativos: “Algumas famílias com rendimentos agrícolas tenderão a beneficiar e é, assim, bastante provável que o emprego agrícola comece de novo a aumentar.”

Subida de preços começa logo no pequeno-almoço
Os custos das refeições dos portugueses vão subir, a começar logo pelo pequeno-almoço, onde quase todos os produtos que o compõem estão na lista dos que vão sofrer agravamento de preços. Nesta altura ainda é difícil avaliar o aumento final dos preços, porque os produtores ainda estão a negociar com a distribuição o que pode ser incorporado nas suas margens e o que terá de ser pago pelo consumidor final.

Mesmo assim, e depois da subida já verificada no açúcar, com tendência a aumentar, o pão, o leite e seus derivados e o café também deverão aumentar muito brevemente. Essa é, pelo menos, a expectativa dos industriais e produtores que têm estado a suportar o sucessivo agravamento das matérias-primas e dos custos de produção.

No pão, a incorporação de todos os custos implicaria o aumento de um cêntimo em cada unidade. No leite, os industriais recusam–se a quantificar aquilo que será justo repercutir no preço final, limitando-se a adiantar que o agravamento dos custos de produção, nos últimos quatro meses, já ronda os dez por cento. No café para consumo em casa, os principais industriais mostram alguma sintonia em ter de avançar com aumentos entre os cinco e os sete por cento (exactamente o mesmo aumento que deverá acontecer na restauração e similares).

Já fora do pequeno-almoço, também para os sumos e as cervejas há indicações de subidas dos preços, desconhecendo-se ainda o impacto que o aumento de algumas matérias-primas (como o milho, o trigo ou a soja) poderá ter no conjunto dos produtos alimentares que pesam significativamente na estrutura de despesas das famílias.

De acordo com os dados do último inquérito ao orçamento familiar disponível, elaborado pelo Instituto Nacional de Estatística, relativos ao período entre 2005 e 2006, um agregado com dois adultos e duas crianças realizava, em média, 12 por cento da sua despesa total em transportes e 14 por cento em produtos alimentares e bebidas não alcoólicas. Em termos médios, esse tipo de agregado gastava 2881 euros/ano com transportes e 2839 euros/ano em produtos alimentares.

Tendo em conta a inflação do último ano, o acréscimo de gastos do mesmo agregado familiar é, em média, de 283 euros/ano para os transportes e de 64 euros/ano para os produtos alimentares. No total, o acréscimo médio anual de despesa com estes dois tipos de bens é de 347 euros, ou seja, 1,4 por cento da despesa total do agregado familiar.

Fonte: Anil

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