Queijo Serra da Estrela ameaçado

A Ancose – Associação Nacional de Criadores de Ovinos Serra da Estrela poderá vir a encerrar caso não consiga negociar a devolução de 70 mil euros ao Instituto de Financiamento e Apoio ao Desenvolvimento da Agricultura e Pescas (IFADAP) e ao Instituto Nacional de Intervenção e Garantia Agrícola (INGA), relativos às verbas geridas pela anterior direcção que terá cometido irregularidades com o dinheiro atribuído por aqueles organismos para o Melhoramento Genético, Contraste Leiteiro e Inseminação Artificial das ovelhas bordaleiras, as únicas a produzirem o leite para o fabrico artesanal do queijo Serra da Estrela.

Ao que tudo indica, foram emitidas notas de crédito passadas no ano 2000 a mais de 300 produtores que não foram consideradas como uma despesa elegível. Jorge David e Paulo Figueiredo, elementos da Ancose referem que “este problema já nos afecta bastante, mas o facto do Governo e da União Europeia estar a cortar nos subsídios também nos preocupa”.

Para tentarem ultrapassar as dificuldades que atravessam dizem que “o ideal seria conseguir negociar a dívida em 10 anos para garantirmos a continuidade da Ancose”. Afectos à Associação estão 3700 produtores que correm o risco de terem de encerrar as produções por não conseguirem suportar as despesas sem o apoio da ANCOSE. Estas passam por manter um veterinário que dá vacinas, desparasitar os animais e fazer a tiragem do sangue, formação profissional, recolha do leite para entregar às queijarias artesanais e a distribuição do queijo pelo país e para o estrangeiro.

O IFADAP/INGA desdramatiza a situação dizendo, através de Egídio Barbeito, que “as regras em relação ao contratos têm de ser cumpridas”. Os gestores da ANCOSE explicaram que as notas “entraram na contabilidade, foram aceites nas direcções regionais de agricultura da Beira Litoral e da Beira Interior e fiscalmente estão correctas, mas ao nível da auditoria do IFADAP não foram consideradas uma despesa elegível”. O caso está agora a ser analisado pelos institutos. No entanto, Egídio Barbeito disse, ao JN, que ainda não tinham recebido qualquer ofício da Ancose a pedir a recuperação das verbas, adiantando que “o pagamento poderá vir a ser faseado caso o IFADAP/INGA e a ANCOSE cheguem a um acordo, uma vez que nenhuma das instituições tem interesse em colocar em risco a continuidade dos serviços prestados pela Associação aos produtores a ela associados.

A última Assembleia da Associação, que decorreu recentemente, foi a mais concorrida de sempre. Os produtores das ovelhas bordaleiras e borregos mostraram-se preocupados com a situação e com o futuro, dado que poucas são as alternativas de trabalho caso tenham que se desfazer dos rebanhos. Se a ANCOSE vier a fecha, não conseguirão manter a actividade, uma vez que o leite custa um euro por litro desde há 15 anos.

Também o preço do borrego e dos animais reprodutores desceram. Quanto ao queijo Serra da Estrela, considerado um dos melhores a nível nacional e que já ganhou prémios no estrangeiro, os fabricantes artesanais têm vindo a confrontar-se com a descida dos preços, sendo que alguns já tiveram de o vender a 14 euros o quilo, fabricando só queijo com cerca de 800 gramas. Ainda não há muito tempo era vendidos na casa dos 30 euros. Em causa poderá estar o fabrico do queijo se desaparecem os mais de 120 mil ovinos que dão trabalho às mais de 1000 famílias.

Ele é a Serra, ela a Estrela, juntos formam um casal de puros cães serra-da-estrela que não se intimidam com uma propriedade com mais de 120 hectares. Sempre alerta, defendem um rebanho de 400 ovinos que se dividem por vários pastos e ainda 70 cabras de raça serrana, dando assim alguma tranquilidade a Vítor Dias, um engenheiro técnico de agricultura, que há 33 anos está ligado à quinta que está na mesma família há quatro gerações.

Apenas quatro empregadas percorrem diariamente todo o ciclo pastorício e fabricam o queijo artesanal que é vendido em duas grandes superfícies comerciais a 30 euros o quilo. Por vezes não conseguem dar resposta aos pedidos, uma vez que, apesar de terem 400 cabeças de gado, apenas fabricam em média cinco queijos por dia. Em 1973 esta propriedade tinha 32 trabalhadores. O segredo para manter viável a quinta passou por uma restruturação, reduzindo para quatro o número de funcionários, deixando, por exemplo, de produzir vinho. Acabaram com os eucaliptos e deram lugar a carvalhos, pinheiros e só recorrem ao modo de produção biológica. O objectivo é o de virem a ter 1000 cabeças de ovinos, mesmo sem o apoio da ANCOSE, e 200 cabras.

Fonte: Jornal de Notícias

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