“Bolha” especulativa causa instabilidade no sector do leite

O leite está cada vez mais caro e, no continente, houve este ano problemas de abastecimento como há muito não havia. Nos Açores não haverá falta de leite, mas a especulação está a preocupar produtores e indústria.

O consumo de leite tem vindo a aumentar a nível mundial, com uma procura muito grande de países como a Índia ou a China, sem que os países produtores tradicionais de leite consigam dar resposta. Na Europa, as políticas comunitárias cada vez mais exigentes fizeram com que muitos criadores de gado abandonassem a actividade.

No continente português, esse fenómeno acentuou-se no último ano. Espanha tem o mesmo problema e já vem comprar leite a Portugal. A emergência dos biocombustíveis está a desviar muitos produtores para o abastecimento a essas novas indústrias, provocando uma forte subida no preços dos cereais a nível mundial, com reflexo no preço das rações. Por fim, há ainda o aumento do preço dos combustíveis com base no petróleo.

Tudo isso somado, aliado ao facto de estarmos na altura do ano em que as vacas menos leite produzem fez soar os alarmes no mercado continental: começa a haver falta de leite nas prateleiras das superfícies comerciais do continente. Uma situação que a indústria açoriana poderia aproveitar? Pelo contrário, poderá a crise também chegar aos Açores?

“É lamentável não se aproveitar a situação mais favorável dos últimos 20 anos e vamos ter falta de leite se a indústria não pagar rapidamente mais pelo preço do leite a nível Açores”, afirma Jorge Rita, presidente da Associação Agrícola de São Miguel (AASM). Já Virgílio Oliveira, presidente da Federação Agrícola dos Açores (FAA) considera que o problema mais grave neste momento “é a grande especulação criada à volta das matérias-primas, que está a traduzir-se na subida dos factores produção”.

Tem a indústria, por isso, o dever de subir mais o preço ao produtor? “O nosso preço médio pago aos produtores em Dezembro de 2007 foi cerca de 26 por cento acima do pago no mesmo mês do ano anterior, portanto já fazemos um grande esforço”, responde Jorge Costa Leite, da Insulac, uma indústria de São Miguel.

E quanto a uma possível falta de leite, Pedro Pimentel, secretário geral da Associação Nacional de Industriais de Lacticínios (Anilact) garante: “há uma fidelidade do consumidor ao produto que nós não queremos que de alguma maneira se quebre e essa fidelidade passa também pelo consumidor encontrar permanentemente nas prateleiras o produto e isso é ponto de honra para qualquer indústria”.

Produtores preocupados
As rações e os fertilizantes subiram nos Açores mais que o preço do leite. Nos caso dos fertilizantes, a subida está mesmo a ser feita duas vezes ao mês, “uma coisa nunca vista”, admite Virgílio Oliveira da FAA, quando antes essa actualização era feita anualmente.

O dirigente federativo reconhece que as indústrias nos Açores têm vindo a subir o preço do leite, “mas o enfoque dessa subida está nos produtores com extrema qualidade, nos produtores com leite frio, que estão equiparados à qualidade máxima ou ainda nos produtores de maior dimensão. Quer isto dizer que os aumentos estão a ser feitos em franjas dos produtores, enquanto que a subida dos factores de produção abrange toda a gente”, lamenta.

No entanto, a especulação tem afectado bastante toda a cadeia de produção nos Açores: o preço do leite aumenta, mas logo a seguir vêm desde as seguradoras a subir o prémio do seguro, até quem vende equipamentos como botas ou fatos de água, a também quererem subir os seus preços porque o leite está mais caro.

Sobre a situação actual da lavoura na maior ilha açoriana, Jorge Rita da AASM é claro: “a indústria pode estar a matar a galinha dos ovos de ouro, porque se nós começarmos a ficar estrangulados, vamos ter processos alternativos de rendimento dos agricultores e uma das formas é a venda de genética para fora da Região, sobretudo em São Miguel, para que a indústria comece a ter dificuldades de abastecer o mercado”.

Há actualmente uma falta de animais de produção a nível europeu. Jorge Rita estima em cerca de um milhão o número de vacas necessárias para repor a procura de leite que se prevê para os próximos anos.

Indústria lamenta especulação
Jorge Costa Leite, da Insulac, não tem dúvidas quando questionado sobre uma eventual falta de leite, sobre uma crise na indústria e na lavoura ou sobre a ameaça dos biocombustíveis: “tudo isso está muito especulado”, garante. Sobre a crise de abastecimento de leite UHT no continente, o industrial micaelense lembra que nos Açores, cerca de 80 por cento do leite produzido é para transformar em queijo ou leite em pó, o que à partida inviabiliza um aproveitamento dessa situação.

Uma das críticas feitas à indústria açoriana é a de que ela deveria diversificar mais, obtendo daí mais-valias que poderia fazer reverter para o preço pago à produção. Costa Leite discorda e argumenta que “há pouco leite por cada unidade industrial nos Açores, onde temos por cada fábrica uma média abaixo dos 100 milhões de litros. Mas se formos para a Holanda, a Alemanha ou a Dinamarca, vamos encontrar médias por fábrica de 300 a 400 milhões de litros. Por isso, entendo que há pouca possibilidade de diversificar mais, porque as fábricas nos Açores têm pouco leite para laborar e se formos para produções ainda mais pequenas, deixaremos de ser competitivos”.

Por fim, Pedro Pimentel, embora admita “alguma escassez de leite” no mercado, afasta no entanto um cenário de ruptura no sector. Sobre o preço do leite à produção, o secretário geral da Anilact admite que os lavradores passam uma fase difícil devido ao aumento dos custos de produção e dá-lhes por isso um conselho: “porque é que se questiona sempre o preço do litro de leite e não se questiona o preço das matérias-primas à produção”, lembrando que alguma indústria de rações está ligada aos próprios produtores, havendo que encontrar um equilíbrio não só à custa da indústria, mas sim de toda a fileira do leite.

Porque os Açores não produzem mais leite UHT para exportação?
Jorge Costa Leite, da Insulac, dá a explicação: “é muito mais difícil transportar leite a longas distâncias do que o queijo, porque o leite, como tem muita água, é muito volumoso e quando falamos de milhões de litros, no queijo é mais fácil, porque há uma diminuição do volume em cerca de 90 por cento, o que o torna muito mais fácil de transportar a longas distâncias, enquanto que o leite UHT exige um custo de logística muito superior”. Por isso, o leite UHT açoriano é pouco competitivo no continente.

Fonte: Anil

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