Bacalhau em extinção apesar de 14 anos de pesca interdita

Os barcos – são dezenas, azuis e brancos, e vermelhos – estão recolhidos no porto de Petty Harbour, alinhados ao longo do cais, em silêncio. É uma precaução: anuncia-se a chegada, lá mais para a noite, dos restos de uma tempestade à Terra Nova, com rajadas de vento, chuva e ondulação forte. Mas a visão das embarcações imobilizadas mais parece uma metáfora da vida nesta pequena comunidade piscatória, a meia hora de caminho de St. John’s, capital da ilha.

Com o fim da pesca do bacalhau nas costas da Terra Nova e Labrador (até às 200 milhas), que as autoridades canadianas se viram obrigadas a decretar em 1992, tudo mudou de um momento para o outro nesta região que, nos últimos cinco séculos, tinha vivido dessa actividade.

A captura intensiva e sem limites que as armadas de pesca internacionais ali praticaram nas décadas de 60 e 70, como aconteceu com as fábricas flutuantes da ex-União Soviética, precipitou ali em poucos anos a queda dos stocks da espécie para níveis próximos do limiar da extinção. A proibição da sua pesca no interior das 200 milhas foi uma tentativa de recuperar os efectivos da espécie.

Inicialmente, pensou-se que isso não seria complicado e que a moratória ao bacalhau não deveria durar mais de dois anos. Mas as coisas aconteceram ao contrário do previsto. Hoje, passados 14 anos, os stocks não recuperaram. E a proibição nunca chegou a ser levantada.

Sinal positivo

Só este ano, pela primeira vez desde essa altura, o governo federal atribuiu às pequenas comunidades de pesca costeira, como a de Petty Harbour, – são cerca de 700, onde vivem 30 mil pessoas, ao longo de mais de mil quilómetros de costa – uma pequena quota global de três mil toneladas de bacalhau para 2007. Mas não é o fim da moratória.

Trata-se de uma medida que permitirá avaliar a saúde dos stoks junto à costa e que não terá um impacto significativo nos orçamentos familiares. Mas para os pescadores e para o governo provincial funciona também como um sinal positivo da parte do governo federal, que mostra estar atento e preocupado.

Por várias razões, umas mais evidentes, como a persistência da pesca ilegal nas águas internacionais, para além das 200 milhas, outras ainda mal compreendidas, o bacalhau não conseguiu recuperar passada década e meia. Em alguns pontos junto à Terra Nova, e mais para Sul, na Nova Escócia, a tendência de declínio não se inverteu. E o futuro da espécie nesta região, “que já foi a mais produtiva do planeta”, assegura George Rose, professor e investigador da Memorial University de St. John’s, é hoje encarado com cepticismo e receio por uma parte da comunidade científica que estuda a questão.

Praticantes e defensores de longa data da pesca costeira sustentável, os pescadores de Petty Harbour (e os das outras comunidades piscatórias na ilha) são hoje quem mais lamenta a derrocada. E quem mais sente também as consequências, de mistura com um sentimento de abandono por parte do próprio país.

Muitos emigraram para outras regiões do Canadá, em busca de novas oportunidades. Alberta e a sua próspera indústria do petróleo, por exemplo, atraem anualmente alguns milhares de pessoas desta região.

Camarões e caranguejos

Mas os que ficaram tiveram que reconverter a faina tradicional. Investiram em novos aparelhos e passaram a viver do caranguejo e do camarão. A foca cinzenta, entre 15 Novembro e 15 de Março, é um complemento bem-vindo ao orçamento familiar destes ex-pescadores de bacalhau.

Sam Lee é um deles: um dos 50 que restam dos 130 dos tempos áureos de Petty Harbour. Nessa época, quase toda a comunidade estava envolvida nesta actividade. “Os homens faziam a faina, os miúdos cortavam as línguas do peixe [um petisco muito apreciado aqui], as mulheres, e muitos homens também, trabalhavam nas duas fábricas de peixe da terra”, conta Sam Lee.

Já não há fábricas em Petty Harbour. E a pequena unidade de processamento de peixe da cooperativa que os pescadores criaram nos anos 80 também fechou. “Parámos e, em 1998, perdemos a licença para operar”, diz Reg Best, outro pescador.

Nem tudo foi mau. Durante uns anos o caranguejo deu bom dinheiro, a certa altura mais (60 mil dólares canadianos anuais, por pescador) do que o bacalhau, que rendia metade disso. Mas há dois anos os preços caíram e os orçamentos caíram com eles para os 20 mil dólares, onde se mantêm desde então.

De mãos nos bolsos, Sam Lee abarca o porto com o olhar: “É um modo de vida que chega ao fim”. A quietude dos barcos parece dar-lhe razão. Já não há ali jovens pescadores. “Temos uma média de 50 e tal anos, somos a última geração de pescadores”, garante Tom Best, o presidente da cooperativa da terra. “Saímos da escola sem acabar os estudos e fomos para os barcos. Fomos os últimos a fazê-lo”, garante.

Tom tem dois filhos. Sam também. Nenhum deles, nem nenhum outro jovem da terra, lhes seguiu os passos. E foram eles próprios que os dissuadiram. Sam Lee remata: “Aqui não há nada para eles.”

Fonte: Diário de Notícias

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