Alteração dos Alimentos

Alteração dos Alimentos

O papel dos microrganismos na alteração e deterioração de grupos específicos de alimentos conduziu a interessantes reviravoltas na História, sendo ocasionalmente associados a “milagres” e a “bruxaria”. Serratia marcescens, tida como responsável pelo “Milagre de Bolsena”, ocorrido em 1263, produz um pigmento encarnado quando cresce em produtos alimentares húmidos.

Alguns historiadores dizem que pode ter sido responsável por relatos de “sangue” em hóstias e noutros pães. Este mistério foi eventualmente resolvido em 1879 por Bartolomeo Bizio. Foi também ele quem designou esta bactéria por Serratia marcescens.

Os bolores podem crescer rapidamente em grãos e milho quando estes produtos são mantidos em meios húmidos. A infecção de grãos por Ascomycete Claviceps purpura causa ergotismo, uma intoxicação. Os alcalóides alucinogénicos produzidos por fungos podem conduzir a alterações do comportamento, aborto ou mesmo a morte quando ingeridos grãos infectados.

Entre os produtos cancerígenos derivados de fungos incluem-se as aflatoxinas e as fumonisinas. As aflatoxinas são produzidas em grãos e nozes húmidos. As aflatoxinas foram descobertas em1960 quando morreram 100 000 jovens perus após a ingestão de uma refeição baseada em amendoins infestados com fungos. Aspergillus flavus foi o agente encontrado nos amendoins contaminados, em conjunto com toxinas extractíveis com álcool denominadas aflatoxinas.

Estes compostos planos anelares intercalam-se nos ácidos nucleicos celulares, actuando como agentes mutagénicos e cancerígenos. Esta acção ocorre inicialmente no fígado, onde são convertidos em derivados instáveis. Estes compostos e seus derivados podem ser separados por processos cromatográficos e identificados por radiação ultravioleta devido à sua característica fluorescente. Apesar da sua importância nos grãos, também já foram encontrados no leite, cerveja, cacau, passas e soja.

Os contaminantes fúngicos mais recentemente encontrados no milho foram as fumonisinas, isoladas pela primeira vez em 1988. estas são produzias por Fusarium moniliforme, causando leucoencefalomalacia em cavalos, edema pulmonar em porcos e cancro do esófago nos humanos. O milho e os produtos alimentares derivados do milho sobre os quais recaem mais preocupações são a farinha de milho e os grãos de milho.

A carne e os lacticínios, com os seus elevados valores nutricionais e a presença de açúcares, gorduras e proteínas facilmente utilizáveis, são meios ideais para a alteração dos alimentos por microrganismos. O leite não pasteurizado sofre uma sucessão de quatro previsíveis passos durante a sua alteração:

  • produção de ácido por Lactococcus lactis lactis (anteriormente designado Streptococcus lactis)
  • produção adicional de ácido associada ao crescimento de mais organismos resistentes a meios ácidos tal como Lactobacillus
  • degradação do ácido láctico por leveduras e fungos que, entretanto, se tornaram dominantes, conduzindo a uma diminuição da acidez
  • digestão proteica por bactérias, resultando num odor pútrido e num paladar amargo. O leite, originalmente opaco, pode, eventualmente, tornar-se transparente

Em comparação, a maioria dos frutos e dos vegetais têm conteúdos proteico e gorduroso muito inferiores e, consequentemente, sofrem um diferente tipo de alteração. Hidratos de carbono rapidamente degradáveis favorecem alterações por acção de bactérias, sobretudo bactérias que provocam uma decomposição suave, como Erwinia carotovora, a qual produz enzimas hidrolíticas. O alto potencial de oxi-redução permite que aeróbios e anaeróbios facultativos contribuam para os processos de decomposição.

Contudo, parece que as bactérias não são importantes pelas alterações iniciais. Na verdade, essas alterações são muitas vezes iniciadas por bolores. Estes organismos possuem enzimas que contribuem para o enfraquecimento e penetração da pele de revestimento. Os problemas de alterações dos alimentos ocorrem em produtos cítricos concentrados minimamente processados. Estes são preparados com pouco ou nenhum tratamento por calor, sendo as maiores alterações causados por Lactobacillus e Leuconostoc spp., os quais produzem diacetil (sabor a manteiga). Saccharomyces e Candida podem igualmente degradar os sumos.

Os sumos concentrados têm uma actividade da água diminuída (aw = 0,82), pelo que, quando conservados a -9ºC, podem ser armazenados durante longos períodos. Contudo, quando os sumos concentrados são diluídos com água contendo organismos contaminantes, ou armazenados em recipientes impropriamente lavados, os problemas podem surgir. Caso haja microrganismos nos sumos concentrados congelados, estes também podem alterar o produto após adição de água.

Os sumos “pronto-a-servir” apresentam outros problemas como seja o elevado aw, suficientemente alto para permitir o crescimento de microrganismos. Isto é especialmente verdade com longos armazenamentos à temperatura de refrigeração. Embora a pasteurização seja possível, a maioria dos consumidores é sensível à perda de sabor que esse processo provoca. Apesar dos esforços para eliminar microrganismos contaminantes durante o processo de enlatamento, muitas vezes os produtos enlatados vêm alterados.

Isto pode ser devido a alterações induzidas anteriormente ao enlatamento, durante o enlatamento ou por entrada de água contaminada durante o processo de arrefecimento. Os alimentos alterados podem ser degradados em aspectos tão variados como a cor, a textura, o odor e o gosto. Pode ocorrer a formação de ácidos por fermentação, sulfatos e gases (sobretudo CO2 e H2S). Em alterações amargas não há formação de gás, pelo que a lata não incha, contudo, o seu gosto amargo é devido à presença de ácidos resultantes de fermentação. Se os microrganismos contaminantes formam gás, ambas as extremidades da lata dilatam.

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