PE / Preços dos alimentos: relações entre cadeias de supermercados e agricultores sob vigilância EU

O Parlamento Europeu propôs ontem uma série de medidas para garantir rendimentos mais justos para os agricultores, preços mais transparentes para os consumidores e um melhor funcionamento da cadeia de abastecimento alimentar na Europa. A transparência dos preços, a concorrência, o abuso do poder de compra e de contratação e os atrasos nos pagamentos aos agricultores são alguns dos assuntos analisados no relatório do eurodeputado francês José Bové (Verdes/ALE), ontem aprovado em plenário.

Relações entre os retalhistas dominantes e os fornecedores

Para reequilibrar as relações na cadeia de abastecimento alimentar, os eurodeputados querem que a Comissão proponha um “código comum aplicável em toda a UE” e que apresente uma proposta relativa à aplicação de um mecanismo europeu de monitorização das relações entre os retalhistas dominantes e os seus fornecedores através de organismos especializados nos Estados-Membros.

O PE exorta a Comissão a examinar se e em que medida a utilização abusiva de marcas privadas (produtos de marcas próprias) e as práticas de alianças de compra por cadeias de supermercados dão origem a concorrência desleal e a pressões sobre os agricultores e à redução sistemática de preços ao produtor. E pede-lhe que leve rapidamente a efeito o projecto-piloto sobre a criação de um Observatório Europeu dos Preços e Margens Agrícolas.

Os eurodeputados incitam também a Comissão a apresentar propostas legislativas para limitar eficazmente o desenvolvimento de posições dominantes nos sectores dos factores de produção, da transformação alimentar e retalhista e reforçar o poder de negociação dos agricultores.

As práticas de mercado abusivas, como as vendas com prejuízo ou as comissões de venda, devem ser “repertoriadas e expressamente proibidas pela UE”. O PE propõe a elaboração de uma “lista pública das empresas prevaricadoras” e a instituição de um regime de sanções.

Quotas de mercado sob vigilância

O Parlamento quer que a legislação europeia obrigue os principais comerciantes, transformadores, grossistas e retalhistas europeus a comunicarem anualmente as suas quotas de mercado relativamente aos produtos alimentares essenciais, bem como os seus volumes de vendas mensais, de forma a permitir que todos os parceiros de mercado possam fazer estimativas sobre as tendências a nível da procura, da oferta e da evolução dos preços na cadeia alimentar.

O PE constata que, “em alguns países, a indústria de transformação alimentar detém a maior margem na cadeia alimentar” e exorta à monitorização e investigação do sector da transformação alimentar a fim de garantir a transparência dos preços.

Até ao final deste ano, a Comissão deverá apresentar ao PE um relatório que contenha dados sobre o abuso do poder de compra na UE, os comportamentos anticoncorrenciais e as práticas contratuais desleais em toda a cadeia alimentar, do sector dos factores de produção ao consumidor, e propor “respostas adequadas”.

Contratos-tipo e prazos de pagamento

Os abusos de poder de compra na cadeia alimentar assumem frequentemente a forma de atrasos de pagamento aos agricultores ou pequenos transformadores ou de subsequentes alterações contratuais.

O PE defende que os prazos de pagamento devem ser reduzidos ao longo da cadeia de abastecimento alimentar, para um máximo de 30 dias, para todos os produtos alimentares, e para um período mais curto no caso dos produtos agrícolas altamente perecíveis.

Os eurodeputados consideram que os contratos-tipo podem ser instrumentos úteis, propondo que a sua implementação seja tornada obrigatória em alguns sectores.

Intervenção de eurodeputados portugueses no debate

João Ferreira (CEUE/EVN): “Mais do que identificar problemas, que neste caso são por demais evidentes, há que apontar as suas causas e procurar soluções efectivas, justas e duradouras.

Se a Comunicação da Comissão fica muito aquém do que seria necessário neste domínio, como reconhece o relator, a verdade é que o próprio relatório fica também aquém daquilo que se impunha. Exigem-se medidas concretas para pôr fim à manipulação de preços de bens alimentares e à cartelização por parte de sectores intermediários na cadeia de abastecimento, como é o caso da grande distribuição, que a liberalização dos mercados agrícolas veio favorecer.

Impõe-se a retoma da garantia de preços mínimos justos aos agricultores de forma a garantir um rendimento digno que lhes permita manterem-se num sector de importância estratégica, contrariando o abandono da produção e o aumento da dependência alimentar de vários países e regiões, como é o caso de Portugal. Deverá ser considerado o estabelecimento de margens máximas de comercialização, designadamente nas grandes superfícies, relativamente aos preços pagos aos produtores, de forma a garantir uma justa distribuição do valor acrescentado ao longo da cadeia de abastecimento alimentar.

São necessárias medidas e políticas, nomeadamente orçamentais, que dinamizem e apoiem o funcionamento e modernização de mercados locais e regionais. A segurança do abastecimento alimentar, a preservação dos ecossistemas e o reforço do tecido económico e social no sector primário exigem ainda que o comércio internacional se oriente para uma lógica de complementaridade e não de competição entre produtores e produções. Há que questionar e romper com o sistema que encara os alimentos como se de uma qualquer outra mercadoria se tratassem e que permite a especulação sobre os alimentos levando, como vem sucedendo, a situações explosivas do ponto de vista da dependência alimentar e da volatilidade dos preços”.

Maria do Céu Patrão Neves (PPE): “Este relatório privilegia um tema muito importante no domínio da agricultura que carece de uma intervenção coordenada ao nível europeu, atendendo a que, desde 1996 até ao presente, e em média, o preço dos produtos alimentares aumentou 3,3% ao ano, os custos da produção dos produtos agrícolas 3,6% e os preços pagos aos agricultores apenas 2,1%. Estamos assim perante uma situação de graves desequilíbrios negociais na cadeia de distribuição alimentar que urge ser corrigida.

Os agricultores e o sector agro-alimentar, cumprindo os objectivos definidos pela PAC, produzem alimentos obedecendo a standards de qualidade muito exigentes e mantendo preços acessíveis aos consumidores. Entretanto, um número muito reduzido de retalhistas poderosos impõe os seus preços, quase sem negociação, a 13,4 milhões de agricultores e a 310 mil empresas da agro-indústria em toda a União Europeia.

Neste contexto, subscrevo que se peça à Comissão Europeia que apresente propostas legislativas para solucionar o problema, inclusivamente a alteração das regras de concorrência europeia, indo mais longe que as meras recomendações e estratégias elaboradas pelo Grupo de Alto Nível sobre a Cadeia de Distribuição; que organize uma vasta campanha de informação, a nível europeu, que divulgue junto dos agricultores os seus direitos; que proíba práticas abusivas que se fazem sentir sobretudo no sector dos produtos agrícolas rapidamente perecíveis, como as frutas e os produtos hortícolas; que promova o apoio às organizações de agricultores, de forma a que estes possam dispor de maior massa crítica e aumentar o seu poder de negociação. Seria interessante assimilar as organizações de agricultores e cooperativas a pequenas e médias empresas para que estas possam beneficiar de isenções especiais.

Reconhecemos que o equilíbrio entre o respeito integral pelas regras da livre concorrência numa economia de mercado, que defendemos, e a intervenção necessária e urgente que se solicita à Comissão Europeia nem sempre foi fácil, mas consideramos que, em geral, foi alcançado, pelo que aprovamos e saudamos o presente relatório”.

Luís Paulo Alves (S&D): “Este relatório de iniciativa que hoje debatemos, da responsabilidade de José Bové, a quem felicito pela forma como o conduziu e pelo seu bom resultado final, em que tive o privilégio de ser shadow e negociar os 17 compromissos obtidos, é absolutamente essencial numa altura em que as políticas agrícolas se encontram cada vez mais orientadas para os mercados, os agricultores se vêem confrontados, na Europa, com níveis de rendimento muito baixos, e milhões de consumidores, em resultado da crise que a todos afecta, se vêem na premente necessidade de manter os alimentos a preços acessíveis.

É por isso que, se os rendimentos dos agricultores vão depender cada vez mais dos valores gerados nos mercados e o preço dos alimentos do seu bom funcionamento, então melhorar o funcionamento da cadeia de abastecimento alimentar torna-se absolutamente necessário para uma mais equitativa partilha de valor gerado, desde os produtores agrícolas até aos consumidores finais, garantindo rendimentos justos para uns e preços adequados para outros.

Para isso é necessário reequilibrar as relações que se estabelecem ao longo da cadeia de abastecimento alimentar, dar-lhes transparência, garantindo a existência de um quadro de boas práticas leais e concorrenciais. Neste sentido, apelamos à Comissão para levar em conta as propostas amplamente apoiadas na Comissão da Agricultura”.

Luís Manuel Capoulas Santos (S&D): “Também gostaria de me associar ao tom geral das intervenções felicitando o relator e os colegas que sustentam as posições tomadas na Comissão da Agricultura, que aprovou por larga maioria este relatório.

Queria apenas apelar ao Sr. Comissário para que se inspire nas boas práticas de alguns Estados-Membros, e queria referir-lhe o exemplo muito concreto do meu país, Portugal, que aprovou a semana passada importantes e corajosas medidas neste domínio, impondo um prazo de pagamento até 30 dias para os produtos perecíveis aos agricultores e até 60 dias para os produtos alimentares para consumo humano. Esta imposição às grandes superfícies creio que constitui um bom exemplo, que poderia ser secundado à escala europeia e apelo à Comissão para que se inspire nesta boa prática deste Estado-Membro”.

Fonte: Agroportal

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