Aumento do preço dos cereais é uma ameaça

A AIPAN fala de “um momento insustentável” e a IACA diz que, “no actual contexto, isto é o pior” que lhes podia acontecer.

Exige “medidas urgentes” da Comissão Europeia para “travar a especulação dos mercados”.
A escalada do preço dos cereais, mais visível desde o início de Julho e que se agravou no início de Agosto, está a preocupar a indústria europeia que os incorpora na fabricação dos produtos. Teme-se por uma réplica da situação de há dois anos, que então se fez acompanhar de um aumento acentuado dos preços do petróleo e que fez disparar a inflação e ditou a subida dos juros pelo Banco Central Europeu em pleno eclodir da crise americana do ‘sub-prime’.

E os receios estendem-se à indústria nacional, da panificação às rações, podendo alargar-se às carnes (bovinos, suínos e aves, em particular), lacticínios, ovoprodutos, entre outras.

Apesar de várias fontes internacionais e de a própria Comissão Europeia referirem que a situação é diferente da de 2008, os industriais de rações querem “medidas urgentes” da UE. Jaime Piçarra, secretário-geral da Associação dos Industriais de Alimentos Compostos para Animais (IACA), fala de “dois tipos de problemas: a baixa de produção de cereais e a especulação” nos preços a nível mundial.

De acordo com a monitorização de preços das matérias-primas efectuada pela IACA, em Julho o milho era comprado a 187 euros/ton, o trigo forrageiro a 155 euros e cevada a 135 euros/ton”. Menos de um mês depois, “o milho está entre os 200 e os 205 euros/ton (mais 10 por cento), o trigo nos 190 euros (mais 23 por cento) e a cevada nos 185 euros/ton (mais 37 por cento)”. E “o mais ‘caricato'”, diz Jaime Piçarra, é que “a cevada tenha registado a maior subida, quando existem cerca de seis milhões de toneladas de cereais nos ‘stocks’ de intervenção comunitários, dos quais mais de cinco milhões são cevada”.

Não há “motivos para alarmismo”, diz o ministro da Agricultura
O ministro da Agricultura, António Serrano, garante que o Ministério “está a acompanhar” o assunto e que o mesmo “justifica preocupação, mesmo que não indicie motivos para alarmismo nesta data”. É que, “apesar dos aumentos face a 2009”, os preços são “inferiores ao dos anos anteriores”.

Explicando que não foram feitas “quaisquer importações de trigo da Rússia para Portugal nos últimos cinco anos”, António Serrano sabe do “efeito dominó que o embargo [russo, decretado esta semana por Vladimir Putin], pode originar, em particular no preço do milho”. Em todo caso, diz, as “previsões” da não existência de “problemas na colheita da Austrália e Argentina, outros grandes produtores mundiais, cuja produção estará no mercado em Dezembro, poderá levar a uma inversão” desta tendência e gerar “um efeito estabilizador sobre os preços”.

Questionado sobre que medidas é possível adoptar pelos Estados e se uma eventual comparticipação nos preços nas matérias-primas à indústria pode justificar-se, António Serrano pede “prudência”. E o recurso aos cereais de intervenção também se “afigura como de exequibilidade duvidosa”, podendo não ser “comercialmente vantajosa”, por ser “um regime de acesso difícil, com dificuldades do ponto de vista negocial e de desfecho incerto”.

“Pecuária não consegue suportar estes preços”
“A pecuária não consegue suportar estes preços”, avisa o secretário-geral da IACA, afirmando que, “no actual contexto de crise, era o pior que nos podia acontecer”. Daí que exijam à Comissão Europeia que “abra os ‘stocks’ de intervenção, aumentando a oferta disponível”. E, a par disso, “comece rapidamente a implementar medidas” para “travar a excessiva volatilidade dos preços, pondo fim a esta especulação que se não justifica pelos dados do mercado”.

Note-se que os cereais têm um peso de incorporação de 57 por cento na produção de rações, indústria que consome 1.8 milhões de toneladas de cereais anualmente, dos quais 200 mil de cevada, 470 mil de trigo e 1.1 milhões de milho. Por sua vez, o peso da alimentação animal na pecuária é “da ordem dos sessenta por cento, em média”, pelo que este aumento das rações (“em média em torno dos cinco por cento”) “não deixará de ter consequências na pecuária devido ao aumento das matérias-primas”.

Comissário da Agricultura rejeita libertação de stocks de intervenção
A Comissão Europeia “acompanha, de perto e de forma regular, a evolução dos mercados cerealíferos”, na UE e a nível mundial. E apesar dos “incidentes meteorológicos negativos” nalgumas regiões da Europa, a produção de cereais foi compensada noutras.

O comissário europeu da Agricultura, não vê razões para a abertura dos ‘stocks’ de intervenção. Para Dacian Ciolos, “é evidente que não há risco de escassez de cereais no mercado comunitário”.

Vida Económica (VE): O aumento dos preços dos cereais inquieta diferentes sectores da indústria europeia e portuguesa, como a dos alimentos para animais e a da panificação. Fala-se no encerramento de empresas, por não poderem suportar os preços. A Federação Europeia dos Industriais de Alimentos para Animais (FEFAC) já pediu à Comissão Europeia a abertura dos ‘stocks’ de intervenção, nomeadamente para a cevada. A Comissão está consciente deste problema?
Dacian Ciolos (DC): Os serviços da Comissão acompanham, de perto e de forma regular, a evolução dos mercados cerealíferos, na União Europeia e a nível mundial, particularmente em matéria de preços, produções, trocas comerciais e ‘stocks’. E estão perfeitamente ao corrente do aumento recente dos preços nos mercados, ligados às diversas dificuldades climáticas verificadas no Canadá, assim como nos países produtores do Mar Negro (Rússia e Ucrânia). Graças às duas últimas colheitas mundiais, os níveis de ‘stocks’ mundiais podem ser considerados como regulares.
Sobre o mercado da UE, o volume total da produção cerealífera em 2010 deverá estar próximo da média dos últimos cinco anos. O incidente negativo relacionado com as más condições meteorológicas que afectaram as culturas em certas regiões da União foi compensado noutras regiões. É evidente que não há risco de escassez de cereais no mercado comunitário.

VE: Que medidas podem ser tomadas ao nível da Comissão? A abertura dos ‘stocks’ de intervenção para certas matérias-primas é desejável e possível neste quadro? E em que condições?
DC: O regime comunitário da intervenção foi reformulado no âmbito do orçamento do ‘Health Check’ [exame de saúde] da PAC [Política Agrícola Comum] para ser uma verdadeira rede de segurança. Os produtos em ‘stock’ de intervenção para venda são vendidos através de leilão e os procedimentos do leilão podem ser abertos para revender os produtos armazenados numa ou em várias regiões da União Europeia, de um Estado-membro ou de vários Estados-membros. Tal procedimento não está contemplado no momento da colheita, a fim de evitar qualquer perturbação do mercado. Além disso, fora do âmbito da intervenção, os cereais dispõem de instrumentos eficazes para cobrir riscos de mercado, incluindo os mercados de futuros.

VE: Os industriais estão convencidos de que este aumento também resulta da especulação dos mercados. O que é que pode ser feito para evitar isso?
DC: Da mesma maneira que os produtores e os compradores de matérias-primas, incluindo a indústria, podem utilizar os mercados futuros.

VE: E que medidas podem ser tomadas a nível governamental, em cada Estado-Membro, para evitar o encerramento de empresas e o crescimento do desemprego?
DC: Cada Estado-membro deve decidir sobre as medidas que melhor se adequam. Nós estamos num mercado único, que conhece variações regionais, é certo, mas que oferece um determinado grau de segurança e de condições análogas. As medidas que os Estados-membros decidam tomar devem respeitar este quadro. A Comissão, pela sua parte, apenas deseja que as medidas sejam tomadas de acordo com os regulamentos comunitários e as regras da concorrência.

Fonte: Anil

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